quinta-feira, 29 de julho de 2010

Juliana Borges - Em memória do meu avô Idelfonso

Em memória de meu avô Idelfoso - Juliana Borges

Eu espero que os filhos que ainda não tive, me perdoem por não trazê-los antes ao mundo.
É verdade que perderam bastante. Sinto não poder apresentá-los ao bisavô.
Sei que, mesmo que venham logo, a casa não terá a mesma alegria sem a cadeira ocupada no alpendre.
Daqui a pouco nem há mais alpendre. Nem as cadeiras que, contrariando vovó, ele comprou com determinação. Vovó nunca se sentou nessas cadeiras. Pura pirraça.
As mãos tremidas não virão cheias de balas e doces.
Meus filhos não irão assitir a seguinte cena no almoço de domingo: vovô detesta lasanha, então mamãe prepara o prato e diz que é "torta de pastel". Vovô come lambendo os beiços e ainda elogia!
Meus meninos não vão se perguntar por que o biso grita como se tocasse uma boiada. Era essa a lida dele com a vida, uma boiada que passa sem parar.
Eu não precisarei explicar que o coração dele não era grande de bondade, é que a Doença de Chagas fez crescer. Não que ele não fosse um homem bom. É que vovô lida com bois, entendem? Não sabe ser carinhoso, só faz carinho com os olhos.
Mamãe disse, que uns dias antes de ir embora, vovô perguntou com a fala arrastada se eu já estava grávida. Ele também queria muito conhecer os bisnetos.
Vovô se preocupa e quer mandar o pão quentinho aqui pra Brasília. Eu insisto que não chega bom.

Faz, fez, fazia. É, foi, era, será. Será? Ainda não sei como contar. Não sei como conto essa história.

Em memória do meu avô, Sr. Idelfonso, conhecido como Neném, que morreu no último dia 20.

Postado por Juliana Borges, 29/07/2010

Um comentário:

  1. Nossa, que bonito! também espero que os filhos que ainda não tive me perdoem pelo Bizô deles que partiu e pelo avô (meu pai), que sonhava em ter netos, mas se foi há dez meses...
    "Tem horas antigas que ficaram muito mais perto da gente do que outras, de recente data. O senhor mesmo sabe."
    Guimarães Rosa

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